Reflexões: O ócio Criativo (por Rossana Carella)

Este livro-entrevista, escrito de uma forma clara, fluente e objetiva, foi feito por Domenico de Masi, sociólogo italiano, em entrevista à Maria Serena Palieri da editora Ediesse, e têm por objetivo publicar sua explicação sobre a forma de pensar o trabalho, o tempo livre e a evolução da sociedade ao longo da história.

Para Masi, o futuro pertence a quem souber viver do que ama fazer, viver de uma forma onde possamos integrar pesquisa, afazeres, estudo, ócio, jogos, diversão, aprendizado e formação, de forma a tornarmos o “trabalho” uma missão de vida e não uma obrigação sem propósito ou significação. O que propõe está voltado ao teletrabalho; no futuro trabalharemos dentro de nossas casas, oferecendo ideias, delegando trabalhos repetitivos às máquinas.

Do ponto de vista social, a sociedade investirá no Saber, no Conhecimento e na produção de ideias, na Subjetividade, na Ética, na Estética e no Belo. A sociedade caminha na predominância do setor de Prestação de Serviços. Esta nova forma de viver foi rotulada de pós-industrial, que vem a substituir a era Industrial caracterizada pela razão, robotização e “estandardização”.

O sistema ficará voltado ao desenvolvimento sustentável, o trabalho do tipo tradicional diminuirá, e passaremos a ter mais tempo livre. Esse tempo será dedicado a ocupações voluntárias, a atividades que não mais produzam riqueza, mas sim solidariedade. Numa visão geral da história da humanidade, Masi, aponta a globalização, como responsável por fazer com que o ser humano se enxergue numa aldeia, se veja como um todo, sem fronteiras, mas consciente dos limites e do esgotamento dos recursos do planeta. Os meios de comunicação e tecnologia, os quais promovem um alcance instantâneo dos acontecimentos por todo o mundo, potencializam essa conscientização da humanidade no que tange a se preocupar com projetos de sustentabilidade e melhorias na forma de viver sem prejudicar o planeta que habita.

O futuro será de pessoas que trabalhem o lado intelectual criativo. O ócio criativo terá como significado um momento “per se”, no qual descobrimos a magia de sensações e possibilidades infinitas de inovações. A nova geração pós-industrial, já existe e é representada pela categoria à qual chamou de: “os digitais”, jovens que usufruem das novas tecnologias, adoram tanto o tempo livre quanto o trabalho, a arte contemporânea o design, e todas as outras formas de expressão artística, são ecléticos, sensíveis a ecologia, buscam uma forma de ganhar dinheiro mais prazerosa e de acordo com sua forma de ver a vida, sem comprometer sua subjetividade e em busca de uma forma de vida mais equilibrada, justa e sustentável, uma geração preocupada mais no “saber” do que no “possuir”.

Recomendo este livro a todos aqueles que desejam ter um conhecimento mais abrangente sobre a história da humanidade no que tange ao comportamento da sociedade dentro de sistemas de trabalho que regem sua forma de pensar e viver. Este livro nos faz refletir e compreender porque chegamos aonde chegamos e quais são as novas diretrizes para alcançarmos um mundo melhor, por meio de uma nova forma de pensar o trabalho e refletir o ócio promovido pelos avanços tecnológicos.

Faz-nos distanciar e enxergar a humanidade desde seus primórdios, traçando uma linha evolutiva capaz de nos dar um parecer de quem fomos, onde chegamos e qual a próxima trilha a percorrer. Orienta-nos no sentido de buscarmos um autoconhecimento capaz de transformar a si, e ao mundo que nos rodeia.

Conclusão

Concordo plenamente com a visão de Masi, embora ainda acredite que precisaremos de algumas décadas para conquistar esta forma de “Ser e Viver”.

Estamos em 2012, e particularmente, vejo sim todo um avanço tecnológico, mas ainda muitos “escravos” em seus trabalhos, em multinacionais que sugam os empregados até o último minuto extra. Vejo sim estas mudanças no aspecto visual das empresas, vejo um investimento alto em cursos para seus funcionários, mas ainda existe a questão do trabalho in-house, na própria empresa, onde com propriedade posso dizer da “reclamação” dos funcionários quanto às horas que devem ser dedicadas ao trabalho, cursos, reuniões, desenvolvimento de projetos, remanejamento de áreas e muita cobrança, ainda que tenhamos tantos avanços tecnológicos, em pleno 2012, as empresas exigem super (homens e mulheres) dedicados “full-time” aos seus trabalhos.

Este livro foi escrito em 1995, estamos em 2012 e ainda o teletrabalho, acredito, por enquanto, ser para poucos, se comparado à grande massa da humanidade. Como já disse, creio que esta visão de Masi, se concretizará de fato em algumas décadas.

Uma pesquisa feita em 2005 mostra que nos Estados Unidos, segundo a fonte < https://beca-ework.com/index.php/biblioteca/artigos/teletrabalho.html > disponível em: 02/01/2012 ás 14:13:00, 21 milhões de americanos já trabalham em teletrabalho, representando 18% da força de trabalho. No Brasil, quase 4 milhões, o que representa 5% da população brasileira.

A sociedade pós-industrial resgata o “belo”, permite a natureza, a criatividade dentro dos espaços, a alegria, a cor. A estética está muito presente hoje em dia nas empresas às quais presto serviços, por exemplo. De fato, grandes multinacionais refletem essa cultura da era pós-industrial, posso citar até uma de Tecnologia em Telecomunicações, que fica no interior de São Paulo, rodeada de um bosque maravilhoso, com salas onde as pessoas podem descansar na hora do almoço, com quartos e poltronas deliciosas, com música de cachoeira ao fundo, os escritórios são todos ornamentados com plantas. Outra sede maravilhosa é a do site TERRA, que fica nas Nações Unidas, um andar repleto de cores, decoração moderna, jovial e extremamente criativa. Percebo nas empresas uma preocupação de trazer a quem trabalha ou presta serviços, um ambiente aconchegante, moderno, com tom âmbar, e voltado para uma sensação de estarmos em um lugar de diversão. Como é o caso da IBM, que tem no lugar de um refeitório, um restaurante idêntico ao de um shopping. A BASF, com painéis nas portas onde aparecem sempre fotos de funcionários fazendo a propaganda de seus projetos, a NESTLÉ, que possui salas de academia, massagem e terapia.

Porém, no que tange ao aspecto de investimento humano, há muito que fazer. Ainda temos uma educação engessada, racionalizada, com pouco investimento no desenvolvimento da criatividade e emoções do Ser Humano, o investimento feito é mais no aspecto de desenvolvimento técnico e operacional. Recentemente estão surgindo nas grandes empresas, cursos de Liderança, Autoconhecimento, Coaching; cursos estes voltados ao investimento do “Ser” como líder, empreendedor, e agente transformador de si e espaços que o rodeia.

Ainda que esta sociedade pós-industrial esteja engatinhando, acredito que as ideias de Masi, são fantásticas e totalmente viáveis. Este livro permite ao leitor ver o ser humano desde bebê, acompanhar suas evoluções ao longo dos séculos, perceber a as transformações etapa a etapa de centenas e milhares de anos na construção deste único “SER”, oriundo de tantas diversidades. A questão está, a meu ver, em “educarmos” daqui pra frente esta geração para um mundo sem fronteiras, sem medo ao novo, mas com o intuito de despertar a motivação de viver intensamente cada instante, gerando aprendizados que constroem toda uma história que modifica a si e ao mundo que o rodeia. A história da humanidade é linda, perfeita, e precisa seres que façam um zoom, promovam um distanciamento para se ver dentro dela e sentir-se responsáveis pela sua continuidade no sentido de a estar transformando para promover melhorias ao próximo e ao habitat. Sem querer usar clichês, a Educação é a única chave deste segredo, ela é capaz de “lapidar” os seres humanos, extraindo-lhes o que tem de melhor, é capaz de fornecer ferramentas por meio da Arte-Educação que é capaz de despertar nos seres uma visão holística, global, completa e abrangente. Quanto aos adultos, promover cursos, workshops, sobre uma nova conscientização na forma de Ser e Viver, instiga-los a buscarem treinamentos que os inspirem a crer em si mesmos e em suas potencialidades. Há muito que fazer por meio da Educação para todas as faixas etárias, para que possamos amadurecer e de fato nos conhecer, unindo RAZÃO-EMOÇÃO, para que o Ócio, não seja visto de forma pejorativa, mas de forma útil, necessária ao investimento em si mesmo, necessária ao segredo que guardamos no fundo de nossas almas.

O Ócio tem de ser visto com um tempo extraordinário, capaz de nos fazer adentrar a uma jornada intrínseca de busca de quem realmente somos. E esta busca está totalmente alinhada com o que viemos fazer neste mundo, e a partir daí pararemos de ver o trabalho como algo que somente trás a possibilidade de ganharmos o pão de cada dia, mas sim, como missão, como paixão, como motivação da existência de nosso ser. O trabalho passará a ter outro nome, outra conotação, outro conceito, não mais como uma obrigação, mas como verdadeiro motivo de estarmos aqui, uma causa, algo que nos instiga e nos move incondicionalmente, pelo puro prazer de nos sentirmos vivos e pertencentes a algo maior. Para isso, precisamos saber quem somos, o que queremos e para que viemos. Não podemos “impor” novas formas de “Ser”, se sequer sabemos quem somos. Precisamos “incentivar” a Subjetividade em prol de uma sociedade mais justa, íntegra, criativa, coletiva e harmonizada. O indivíduo que se “conhecer”, saberá a que veio, e fará de seu trabalho, uma missão, onde o lúdico, o jogo, a pesquisa, o estudo, o ócio, a recreação, a aprendizagem e a formação serão uma coisa só, capaz de preencher o vazio existencial ao qual o homem se vê séculos a fio.

 

 

Reflexões: A náusea (por Rossana Carella)

 

Este livro – diário escrito por volta de 1932 manifesta as impressões de Antoine Roquentin perante a vida. Antoine é um homem solteiro, viajado, historiador e como fio condutor da história usa o tema de concluir sua pesquisa histórica sobre o marquês de Rollebon.

Suas descrições aguçadas e ricas em detalhes sobre o mundo que o cerca são ácidas e sempre com um tom de pouco entusiasmo frente à humanidade. Seu olhar apurado sobre todo e qualquer episódio extrai da natureza das coisas pouquíssimo valor construtivo, a não ser da natureza em si (sol, chuva, vento, etc.), pelos quais ainda externa uma exaltação bela e positiva. Suas percepções se confundem sobre o que pensa hoje e as mudanças do que poderá vir a pensar amanhã. O eterno ser e des-ser o incomodam e lhe causam uma inconstância perante a análise dos fatos e a obcecada e ininterrupta análise e observação da existência. A percepção do cotidiano rotineiro dele e das pessoas lhe causa total desprezo frente à repetição dos comportamentos. Sua autoanálise perante a forma de pensar o faz questionar se são as coisas que mudam ou ele.

Suas relações limitam-se a prazeres biológicos, nada que estabeleça qualquer espécie de afetividade ou elo. Não há nada que lhe desperte interesse de ligação ao outro, a não ser uma observação patética de suas posturas.

Suas observações analisam e dissecam psicologicamente cada ser de forma a muitas vezes se colocar no lugar de, como se quisesse compreender e poder mudar o estado patético do outro, livrando-se assim dessa sensação de aprisionamento, como um jogo de espelho, onde ele se coloca no lugar de cada personagem com o desejo de extirpar o que lhe incomoda; se vê no outro, e tenta descobrir o motivo que os leva a existir, a suportar, a continuar a viver.

A intolerância quanto ao senso comum estabelecido pelas pessoas por uma questão de convivência ou mesmo de pertencimento, o faz se ater a questionamentos da “verdade” de fato dessa concordância, a observação corporal que faz das pessoas, a forma como falam, que se colocam lhe traz uma sensação de náusea. Temos sempre a impressão que este personagem vagueia dentro de uma redoma de vidro, analisando, observando, estudando os seres e o habitat, mas de uma forma a não estabelecer contato, parece que flutua e perambula dentre as pessoas, como intocável, e ao mesmo tempo, tão imbuído.

É um paradoxo, porque para sentirmos náusea, para sermos tão radicais no ponto de vista, para sentir como a personagem sente, temos de ter alguma espécie de envolvimento, algum mergulho, que no caso, é feito de forma distante. Parece que está envolvido até a última célula com os seres que o rodeiam, sem nunca ter sido visto.

Antoine refere-se ao grande amor de sua vida, Anny, com carinho e como alguém que sabia fazer de cada instante, um momento mágico, alguém a quem poderia de fato confidenciar suas sensações e sentimentos, alguém que lhe traz a nostalgia da beleza e pureza da vida, alguém por quem valeu a pena vivenciar as experiências da vida de forma simples e natural, alguém que o deixou e levou consigo todo o encanto e colorido da vida.

As lembranças são um acúmulo de fragmentos, dos quais hoje não consegue mais dar-lhe sentido. As lembranças são de alguém que um dia foi, mas que hoje não é mais. Uma espécie de raiva por não poder mais ser quem foi por não sustentar para sempre momentos especiais, momentos de puro êxtase e quebra da rotina mórbida, uma nostalgia triste, com grande sensação de perda, como se tivessem lhe roubado a magia o prazer dos pequenos e irretomáveis maravilhosos instantes. Como quem quer capturar o tempo, e mantê-lo ali, para todo sempre imutável.

O temor ao envelhecimento e perda do “belo” o torturam.

A solidão o incomoda, era como se a mesma não tivesse lhe permitido construir, embalsamar, reter uma história. Admirava os homens de história, homens aristocratas que haviam construído uma família, haviam sido bem sucedidos em seus negócios, admirava o modelo padrão. O simples toque de uma folha numa paisagem o incomoda, o inanimado lhe causa dor, porque se vê nele, se vê na prostração, na ausência de ação, embora diferente da planta, da pedra que estão ali, inertes, percebe que o que o torna diferente é o ato de pensar, ao pensar logo existe e existir é uma dor insuportável para quem não vê sentido, motivação, razão de ser, de viver, é como percorrer um labirinto sem propósitos.

A vida passa-lhe a ser “concreta” demais, nada é como a narração das histórias. As pessoas, os fatos são reais demais para carregarem consigo a leveza mágica e romântica de uma narração. Os dias, meses, anos se sucedem de forma rotineira pesada e monótona, sem os encantos da poesia. E a toda esta sucessão de mesmice e falta de motivação surge a náusea desta eterna repetição.

A única coisa que o fazia sentir sem náusea, além de sua amada Anny era a música.

A música era a única expressão artística que lhe permitia despertar em seu ser todas as células entorpecidas de tédio, movimentando-as como notas musicais em movimentos capazes de leva-lo ao êxtase, como que inebriando-se das sensações mágicas do que um dia por puro prazer sentiu e viveu.

Escrever o fazia viver uma vida que não era a sua, mas a intepretação dos fatos vividos por um outro ser. Sem ter sobre quem escrever, Antoine sentia o grande vazio existencial de não saber quem era.

Seu último reencontro com Anny foi o de deparar-se com a verdade nua e crua da transformação do ser, e era isto o que mais o ligava a ela inconscientemente, a capacidade que ela tinha em aceitar as mudanças, e a auto responsabilidade de propiciar aos momentos uma significação, de surpreender, de dar vida ao inanimado. Anny, mais uma vez o abandona com a lição de mostrar-lhe que é impossível determos os momentos, que a vida muda, tudo se transforma e é impossível permanecermos inertes a isso.

Abandonado por Anny, finalizado o trabalho sobre o marquês de Rollebon, a vida para Antoine perde mais do que o sentido. Sua partida para uma outra cidade, nada mais é do que a mudança física sem de fato compreender a mudança interna à qual seria responsável por uma razão efetiva de Ser com significação existencial.

Conclusão

Antoine “cristalizou” os bons momentos, como se os mesmos tivessem de ser eternos, imutáveis e paralisados no tempo e espaço, delegando aos demais uma espécie de sucessão de fardos a carregar, numa busca insana da repetição dos mesmos. Os momentos mágicos propiciados por Anny vêm justamente para lhe mostrar que cabe a cada um “transformar-criar-recriar-poetizar-dar vida” ao cenário que nos rodeia, e não o contrário. Não está no outro, não está fora, mas sim dentro de nós. O tempo passa, as pessoas, o mundo se transforma, e cabe a nós acompanharmos estas mudanças e nós perceber mudando junto, aceitando e reinventando-se. Traço assim um paralelo com o filme Cinema Paradiso, cuja mensagem é justamente esta, a de desapegar-se do que um dia foi conquista, belo, atingiu seu auge, para que possamos ir adiante e inventarmos novas possibilidades de conquistas, de realizações de sonhos. Nada é para sempre, tudo mudo, o tempo todo. Traço também um paralelo com O ócio criativo de Domenico de Masi, onde é abordada a questão onde, se o ócio for visto de forma destrutiva, enveredará pelo tédio, drogas, negativismo, falta de sentido existencial, uma perfeita oficina do diabo.

A questão não está fora, está dentro. Está na capacidade que temos de transformar, de atuar como Anny e sua mala mágica que dava vida, poesia e sentido ao seu modo de viver e ao mundo que a rodeava. Antoine, nunca soube de fato dar asas a sua imaginação, viveu e se alimentou dos roteiros das vidas que teve que escrever da magia e transformação dos momentos que Anny lhe propiciou, mas ainda que tenha tido todos estes estímulos não foi capaz de despertar e se auto responsabilizar pela busca de sua própria razão e felicidade de Ser e Viver.